“Um dois, três ... Corta! Agora dá um close na cara dele: barba por fazer, calça de brim azul marinho, casaco azul claro, camisa quadriculada”, narrava Glauber Rocha como locutor radiofônico em estilo frenético ao mesmo tempo que enquadrava o rosto de Di Cavalcanti dentro do caixão. O “carioca Di recebia uma homenagem do também carioca Glauber”, que rodava com uma câmera 35mm um documentário que chocou parentes e amigos do pintor. Para o cineasta, não havia melhor forma de dar adeus ao companheiro a não ser por meio da arte.
O “pintor da mulher morena” havia morrido no dia anterior, à noite, no leito de um hospital. O corpo foi velado no MAM, numa cerimônia com poucas pessoas, e enterrado no São João Batista. “Pára o caixão. Pára que eu quero a câmera do outro lado”, gritava Glauber quebrando o silêncio do velório enquanto alguns homens levantavam o caixão do poeta para que este fosse levado ao cemitério.
Di era um cidadão do mundo, uma das principais figuras da Semana de Arte Moderna. Indisciplinado e irreverente, era também um artista engajado: “Para mim, a principal função da arte é a conscientização”. Ardente cantor das mulheres, principalmente das mulatas, como mesmo lembrou Glauber no filme, fez delas o tema principal de sua pintura. “Sou um dependente da feminilidade”, declarara ele uma vez.
“A mulher é entre os elementos da natureza, aquele que mais faz vibrar as cordas do artista e mantém preferência absoluta em seus quadros. Pode-se mesmo dizer que Di nasceu com o mandato expresso de pintá-las e, por meio delas, revelar um abismo de sensualidade, prazer e dor, que se confunde com o eterno feminino”, disse Carlos Drummond de Andrade sobre a obra do artista, na época.
Além de pintor, Di era poeta e chargista. Na década de 1930 foi preso pela polícia do Estado Novo após ter publicado uma coletânea de charges que satirizavam políticos. Nesta época, Di já era um poeta respeitado, dedicando-se à pintura nos anos subseqüentes.
Di Cavalcanti ganhou Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes do ano seguinte, mas foi proibido de ser exibido no Brasil a pedido da família do pintor. Hoje, discute-se a liberação da cópia original, que está guardada no Museu da Imagem e do Som.
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